Elton John me tocou

Elton John me tocou

Eu nunca fui muito fã de Elton John, confesso. Nenhuma paixão, nada contra também. Já tive a oportunidade de ir a um show dele, não fui. Também não assisti a “Rocket Man” no cinema quando o filme estreou há três anos atrás. (O do Queen, Bohemian Rhapsody, lançado um ano antes, não só assisti como escrevi sobre ele aqui, tomada de forte emoção.)

Até que um dia, numa troca de mensagens por Whatsapp, me deparei com uma sugestiva indicação do filme. Quem me deu a dica foi a jornalista Solange Calvo, que é uma das co-autoras do “O Livro das Cartas”, do qual também faço parte.

Na ocasião, mandei a ela uma mensagem parabenizando-a pela carta linda – de doer – que ela escreveu para a mãe que estava morrendo. Ao me agradecer, ela disse: “Foi uma libertação. Fiquei emocionada com a sua mensagem. E se tem pais vivos, não deixe para depois qualquer ajuste.”

“Imagino, Solange. Tive essa sensação de libertação por você, acho que captei seu coração. Sim, tenho pais vivos e agradeço todos os dias por isso. São muitas as linhas e entrelinhas, não é? Cada pai e mãe daria um livro.”

Uma hora depois, veio dela um retorno lindo sobre a minha carta. (E é aí que entra Elton John na história):

“Amei a sua carta também, e o seu estilo de escrever. Ler uma carta endereçada a uma terapeuta, escrita por outra terapeuta, confesso que me deu um arrepio. Corro de terapia faz tempo. As poucas que fiz eu sabotei cada encontro. Escondi o medo de tirar do baú aquela menina assustada que tranquei lá. Escondi de mim, da terapeuta e do mundo. Primeiramente, porque era difícil e confuso por um bom tempo. Depois porque passei a culpá-la de muitas coisas. Deixei quieto. Até que fui assistir ao filme do Elton John, que começa justo com uma terapia em grupo. Não é roteiro criado. É fato. Nessa terapia, no final, ele perdoa o garotinho frágil e assustado que ele foi. Foi isso que aconteceu comigo ao escrever essa carta. Revisitei meu passado aprisionado. Resgatei aquela menina, conversei com ela, dei colo e a perdoei, de verdade. E então me libertei.”

Ontem assisti ao filme, e as mãos já foram coçando para escrever. (Da mesma forma que as mãos de Elton John devem coçar para tocar, só pode.)

Antes de dar vazão ao coração, mandei uma mensagem para a Solange pedindo a ela autorização para reproduzir aqui a nossa conversa.

Obrigada, Solange. Pela dica preciosa do filme. Pelas trocas tão especiais e lindas. Pela compaixão que senti por Elton John ao conhecer a sua história; por sua capacidade de transformação, cura e ressignificação da própria vida. Pela vontade que tive de pegar aquele menino no colo e levar pra minha casa. Pela confirmação de amor à minha profissão e pela certeza de que todos nós carregamos conosco a criança que fomos um dia. E o quanto é maravilhoso saber que podemos ir ao encontro dessa criança, abraçá-la com ternura e dizer: “Passou, minha querida!… Passou.”

Um dia depois de assistir ao filme, e com o livro já encomendado, continuo ouvindo Elton John enquanto escrevo para você. São com outros olhos que o vejo agora, e outra escuta também. Fiquei profundamente tocada. Fiquei fã.