Doce herança

Claro que ele deve ter sentido medo e angústia, disso eu não tenho dúvida. Mas o que ele passava pra todo mundo era uma força e uma luz que não têm explicação.
O tempo foi passando. Perdemos a conta de quantas cirurgias ele fez. Nosso querido Gilson perdeu peso, perdeu a voz mas não perdeu a alegria de viver.
Você pode não acreditar, mas o danado ainda foi pra cozinha fazer pé de moleque pra vender. (O pé-de-moleque mais gostoso que eu já comi em toda a minha vida.)
Já faz alguns anos que ele morreu. E aí eu encontro com a Cláudia na Bendita Gula, toda serelepe (herança maior de alegria que o marido deixou, além dos quatro filhos), pedindo um pedaço de torta de chocolate. É claro que o Gilson também tinha que estar presente:
– Quando eu estava grávida, fazia o ultrassom aqui perto e vinha depois com o Gilson comer essa torta de chocolate! Hoje eu fui fazer um ultrassom –dessa vez pra tirar o útero –, e resolvi vir aqui pra matar saudade!
Essa saudade a gente vai carregar a vida toda. Mas com a alegria e a leveza de saber que agora os anjos é que carregam o Gilson no colo, encantados com o pé-de-moleque que ele anda fazendo lá no céu.